quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Amanheceu cinza

Não existe real altruísmo.
Reclinada sobre a minha figura
Mão repousada sobre a fronte
Medindo a minha temperatura

Remédio e palavras de otimismo
Delirando e tão alto à essa altura
Minha doença talvez seja fonte
Do seu processo de cura

Por mim ela morre de amores
Jamais permite que se queixe
Nunca me perde de vista

Lágrimas, súplicas e tremores
"Por favor não me deixe"
Você é tão egoísta...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Cretino

- Meus parabéns, você acaba de se tornar um cretino!
- E qual o próximo passo?
- Agora você faz as pessoas precisarem de você, mesmo que elas te detestem elas serão obrigadas a admitir que você é o melhor cretino no ramo.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Relevância

- Você deve entender que nos inúmeros universos possíveis durante toda a eternidade você ocupa uma alocação ínfima de espaço e tempo. Você não é nada e não significa nada para esse sistema por mais célebre que você se torne e por maiores que sejam seus feitos para a posteridade, a posteridade é nada perto de tudo o que já houve e tudo o que há por vir.
- E se eu encontrar alguém para quem eu seja importante?
- Então você deve dizer à essa pessoa: "Em inúmeros universos possíveis pela eternidade, é uma honra e um prazer dividir uma época e um lugar com você."

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Palitos


     Deus, Gaia, a Aleatoriedade Universal (ou a deidade ou abstração à qual você quiser atribuir tal feito) parece ter dado origem à pilhas de palitos ordenadas e em equilíbrio (como na brincadeira), e presenteado seus criados, sabe? Eles teriam dito "Cuidem como se fosse sua vida!" (e talvez fosse, só de sacanagem). Não se sabe quem começou, mas as pessoas aprenderam com seus antepassados a retirar palitos e realoca-los de maneira a dar novas formas à sua pilha, de maneira que elas fossem diferentes das demais, porém seguindo o objetivo premeditado do jogo de jamais deixar sua pilha ceder.
     Seria eu a única pessoa que acha isso tudo muito fodido? Que não tem interesse algum pelo (suposto) objetivo do jogo tomando como referência os (autoproclamados) vencedores? Só eu tenho um fascínio absurdo por qualquer palito que faça a pilha despencar e rolar sobre a minha mesa? As vezes perdendo alguns pelo chão, as vezes encontrando coisas interessantes quando me abaixo para busca-los...
     Seja como for, são esses os palitos que têm o poder, a condição de equilíbrio estática é dada por fatores previsíveis, não há como se construir algo verdadeiramente novo sem corromper a sustentação da estrutura. Eu quero que o objetivo se foda, o que eu aprecio verdadeiramente é o movimento.

domingo, 2 de junho de 2013

Criatividade

Há de se reconhecer a diferença entre um devaneio infrutífero e uma inspiração genuina, o talento, a meu ver, reside ai. Dar luz a um arquétipo pacientemente é igualmente vital. Uma idéia nascida de um parto prematuro, franzina e possivelmente deformada exigiria muito mais esforço para tornar-se sua concepção original no etéreo plano das idéias.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Espectador

O assento do sofá moldado
Tomou a forma do espectador
Horas incessantes sentado
Com o olhar fixo na tela
Insone, ligeiramente perturbado
Olhos na janela do mundo.

Pressionando em rítmo sincopado
Canais diferentes, mesma notícia
Observando a tragédia afastado
Distâncias seguras geram sorriso
Insone, ligeiramente perturbado
Olhos na janela do mundo.

Solitário para não ser julgado
Inadmissível admitir o interesse
Na tortura e em seu torturado
Vida ceifada em um incêndio
O choro te mantém interessado
Sofrimento é entretenimento

Conte como se sente no microfone
Precisamos que o mundo assista
Há de se confortar um insone
Sua tragédia e a sua entrevista
Uma maior que a minha própria
Um choro que embale meu sono.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Reality Check

Eletricidade... Uma quantidade massiva desta percorrendo todos os nervos do meu corpo durante um espasmo forte que teria me arremessado para fora da cama, não fosse o fato da sua mão delicada repousando sobre meu peito ter drenado essa energia, convertida em um inspirar profundo e dificultoso antes que minha coluna perdesse a capacidade de me sustentar e minha cabeça novamente tocasse o travesseiro, úmido de suor febril.

- Eu não ouço mais a chuva...
- Ela parou já faz algum tempo, Re.
- Quanto tempo?
- Algumas horas... Você teve outro pesadelo? A febre parece não baixar, eu vou pegar mais remédio e um copo d'agua e já volto.
- Fica... Eu ainda não sei onde eu estou ou o que aconteceu, você se importa?
- De quanto você se lembra?
- Não muita coisa, me lembro da chuva... Eu disse ou fiz algo inapropriado?
- Descanse, eu ainda vou estar aqui quando você acordar.
- Sabe, em uma noite de chuva como essa eu saí para acalmar meus pensamentos, três ou quatro anos atrás, e eu nunca tive a sensação de ter voltado para casa. Em um ponto do percurso eu subestimei uma curva e senti a minha consciência adormecer, me recordo do meu reflexo no vidro do carro e do barulho, e então a reta depois da curva, fazendo o caminho de volta... Talvez o fato de eu não ter a lembrança do elo entre esses dois pontos tenha criado essa fantasia de interrupção existencial e início do sonho, como um coma... Mas talvez eu tenha criado tudo o que veio após esse momento, e tudo o que eu vi, ouvi, toquei, cheirei e provei depois disso foi colocado lá pelo meu desejo de ter chego em casa naquela noite.
- Mas eu estou aqui, isso é real de alguma forma para você, certo?
- Você me disse ter sonhado comigo, certo? Se lembra de ter me visto, ouvido e tocado?
- Sim, eu sempre te conto sobre os meus sonhos com você...
- Essas sensações e a versão de mim que você replicou, da maneira como me fez, também são reais de alguma forma. Você só se dá conta de que era a sua mente mimicando a realidade quando acorda no que você julga ser a realidade.
- Soa assustador, mas não posso discordar... Eu posso fazer algo para que você se sinta nessa realidade que você descreve, de alguma forma?
- Você pode cantar para mim, como quando eu adormeço no seu colo.
- Te ajuda com essa sensação ou você só gosta quando eu canto para você?
- As duas coisas, a sua voz me acalma, mas eu não nego que sempre imagino a possibilidade de adormecer aqui e acordar com essa mesma música enquanto você segura a minha mão em um leito de hospital para eu finalmente lhe perguntar quanto tempo realmente se passou desde aquela noite enquanto sedativos fortes me faziam fantasiar um paradigma alternativo.

Era um esforço admirável que você me abraçasse e continuasse cantando mesmo com contrações involuntárias de choro no diafragma, com um fluxo de ar conturbado, suas lágrimas agora somavam à umidade do meu travesseiro enquanto eu refletia sobre o quanto eu fui um idiota em ambos os paradigmas, no primeiro por preocupa-la com meu problema de dissociaçâo e no segundo por ter contado a uma criação da minha mente como a minha mente funciona, inibindo um possível teste de realidade futuro. Três vezes idiota por estar pensando nisso enquanto você me abraça forte em prantos ao invés de conforta-la. É melhor conforta-la agora, uma voz sussurra "vai ficar tudo bem, não se preocupe", e desta vez, ironicamente, é a minha própria.

domingo, 28 de abril de 2013

Hipotermia


Fui eu quem invadiu o seu templo e tomou todas as suas relíquias, de tal forma que você se perdesse do seu colecionismo de eventos passados. Eu só não esperava faze-lo se perder de si, a memória torna-te quem tu és e eu quase obliterei seu significado das coisas.
"Está vazio" você disse com uma tristeza imensurável e digna de pena, "Eu estou aqui, não vai continuar vazio por muito tempo" ela disse sem se dar conta das duas inverdades acidentais em sua sentença proferida em uma tentativa de ao menos confortar o inconsolável. Ela jamais visitaria o seu templo, construído no seu hipocampo, no máximo ela ouviria descrições aproximadas de coisas indescritíveis.
Conduzidos ao nosso inferno astral ambos tremíamos de um frio que não obedecia as leis da termodinâmica terrena, nenhuma fonte de calor ou isolante nos impedia de continuar trêmulos ou combatia a sensação hipotérmica que nos tomava, o algoz e a vítima tão pateticamente padecendo do mesmo efeito. Patético.